"Tudo  me cansa, mesmo o que me não cansa. A minha alegria é tão dolorosa como  a minha dor. Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num  tanque de quinta, com um dossel rústico de entrelaçamentos de parreira  pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca  água.
.Entre  mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e  compreenda a vida, eu não lhe posso tocar. Raciocinar a minha tristeza?  Para quê, se o raciocínio é um esforço? E quem é triste não pode  esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu  tanto queria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma  com que esforçar-me.
.Eu  não teria o horror à vida como a uma coisa. A noção da vida como um  todo não me esmagaria os ombros do pensamento. Os meus sonhos são um  refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio. Sou tão inerte,  tão pobrezinho, tão falho de gestos e de actos. Por mais que por mim me  embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.  Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge,  então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de que me cerco. E  todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas  olhadas me magoam o conhecê-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
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A minha vida é como se me batessem com ela."
A minha vida é como se me batessem com ela."
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